"A prestação do patrocínio forense não era a mesma coisa que o fabrico de bolas de Berlim ou a produção de alheiras"
António Marinho Pinto in "Um combate desigual", Verso de Kapa, 2010, p.46

sábado, 20 de novembro de 2010

O Leão, Marinho


Olá Marinho,



Há dias estava a ver um documentário da BBC sobre leões e não podia deixar de partilhar contigo o que aprendi lá.

Os leões, por muito imponentes que sejam, não deixam de ser um bocado estúpidos. Enfim, fruto da sua incapacidade de raciocínio, estão condenados a agir por instinto e a sucumbir a um dos impulsos básicos da maior parte dos seres vivos: a violência.

Rugem, atacam, correm, mas não sabem porque o fazem. É da natureza deles.
Convida-os para um jogo de xadrez e provavelmente arrancam-te a cabeça. Vai fazer-lhes uma festa e provavelmente a reacção será idêntica.

Geralmente não fazem grande coisa. Têm quem faça por eles. As leoas caçam mas ele é o primeiro a comer. Quando, por algum motivo, são eles a caçar, optam por caçar animais mais lentos, que não se consigam defender ou fugir tão bem.

A sua juba serve para aparentarem ser maiores do que realmente são e assim afastar potenciais adversários, bem como para atrair as fêmeas, impressionadas meramente pela visão.

O rugido não deixa de ter um papel relevante, é claro. Quanto mais alto rugirem mais conseguem intimidar os outros sem necessitar de partir para um conflito a sério.

Mas o que mais me interessou neste documentário foi a reacção dos leões quando derrotam o líder de um grupo e ganham o controlo sobre as fêmeas e as crias.
A sua reacção costuma ser a de matar as crias. Porquê? Por um lado, para impedir que os genes do leão que os precedeu consigam triunfar. Por outro lado, para evitar concorrência no futuro. Quanto menos leões houver, mais fêmeas, mais comida e menos risco de ser derrotado.

Além do mais, se matarem as crias, as leoas ficam mais rapidamente com o cio. Ou seja, por um lado sucumbem mais depressa à imponência do leão e nem prestam atenção ao que se passou, por outro aproveitam para se aproximar do novo líder e evitam sofrer consequências semelhantes.

O leão só tem verdadeiro poder quando é líder.

Para derrotar um leão é preciso um animal mais forte ou um homem bem equipado.

Abraço,

L.O.


quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Não há duas sem três, Marinho

Olá outra vez Marinho,


Desculpa a falta de atenção mas só hoje é que tomei conhecimento do facto de teres perdido outra acção na 2ª feira.

Parece que já lá vão três decisões de mérito contra o Exame de Acesso.
Infelizmente estas últimas duas ainda não foram tornadas públicas e a publicação aqui no blog tem o impacto que tem.

A sentença, de dia 11 de Outubro de 2010, encontra-se disponível aqui e aqui.

Obrigado a quem ma enviou.

Um abraço

L.O.


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

2-1 ou 2-0?

Olá Marinho,


Escrevo-te hoje para te chamar a atenção para algo que te pode ter escapado.
É que no passado dia 8 de Outubro perdeste uma acção contra 11 licenciados da UCP e esqueceste-te de o publicitar devidamente no site da Ordem dos Advogados e de o comunicar aos jornais.
E logo agora que se trata de uma decisão de mérito, daquelas que tu fazes de conta que tanto gostas.
Como hoje não tenho tempo para escrever mais e sei que tu também és um tipo ocupado, aproveito para te poupar o trabalho da publicação da sentença e deixo-a eu aqui e aqui.
Os meus agradecimentos à pessoa que me enviou a sentença.
Cumprimentos, Marinho
L.O.

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Vitória na Secretaria

Olá Marinho,

Desculpa não te ter dado a atenção que mereces e que tanto aprecias mas tenho andado muito atarefado.

Os meus parabéns pela recente "vitória" no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Já li o teu comunicado no site da OA e o teu artigo de opinião no JN e confesso que fiquei convencido que o Tribunal tinha feito um juízo de mérito sobre o caso - à semelhança do que foi feito no primeiro processo em que perdeste - e tinha decidido que o mesmo era desprovido de sustentação jurídica. Talvez isso tenha ocorrido, em parte, pela citação da sentença que puseste no teu artigo e que diz o seguinte: "(...) das posições assumidas pelas partes na presente acção não resulta evidente a procedência da pretensão formulada ou a formular no processo principal".
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Chocado, como tantos outros, por esta decisão diametralmente oposta à proferida pelo mesmo Tribunal há uns meses, senti a necessidade de ler a sentença, não fosses tu, certamente por engano, ter cometido o erro de teres citado apenas a parte que te interessa e teres omitido a questão de fundo que levou à improcedência da acção.
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Após a leitura da sentença, cheguei à conclusão que tinhas omitido precisamente a parte principal da informação. E é por isso que vou pôr aqui à disposição de toda a gente a sentença na sua totalidade, para que possam verificar que na verdade não ocorreu o que pretendes que se pense que ocorreu.
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O Tribunal nem chegou a apreciar a questão de mérito porque entendeu (grosso modo) que, não havendo exame marcado, não havia urgência, logo a forma processual não era a ajustada.
Naturalmente que o Tribunal não levou em conta o facto de os Autores terem a legítima expectativa de que haveria um exame em Outubro, bem como novos cursos de estágio. Legítima porquê? Perguntarás tu com aquele teu olhar amoroso. Ao que responderei: legítima porque foste tu que a passaste ao dizeres ao jornal i (ver também aqui) que "em princípio em Outubro começará o curso de estágio e será feito novo exame de admissão".
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Mas ao veres as acções a entrar em Tribunal optaste por não marcar o exame nem abrir o curso para que aquelas começassem a cair e pudesses ter apenas 1 derrota e 6 ou 7 vitórias. Esquecendo, é certo, que nenhuma dessas vitórias incidiria sobre a verdadeira questão da (i)legalidade e (in)constitucionalidade do Exame. Mas se queres ser honesto como tanto apregoas nos meios de comunicação social (e em especial naquela comovente entrevista à Fátima Lopes que tive ocasião de ver com uma lágrima furtiva a rolar-me pela face), então não omitas que ganhaste por questões processuais e porque enganaste os licenciados ao prometeres que farias um exame para depois não o marcares.
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Sem dúvida que o monte de vitórias que aí vêm serão óptimas para a tua campanha e para continuares a receber esse parco ordenado que te auto-atribuíste - e que defendes com um "não sei de nada, eu já tinha dito na campanha", como se tivesse sido por isso que te elegeram - durante mais uns aninhos.
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Mas se queres ganhar, mostra alguma dignidade e não tentes enganar as pessoas com frases como: "No entanto esta decisão judicial é de saudar pelo seu acerto jurídico e pela ponderação que revela em relação aos vários interesses atendíveis. Desde logo porque o exame de acesso ao estágio é uma medida que cabe dentro dos poderes de regulação da OA e é essencial para a defesa da função social da advocacia. Com efeito os cursos de Direito não têm hoje a mesma qualidade que tinham antes do chamado Processo de Bolonha, que reduziu a sua duração de cinco para quatro ou mesmo para três anos." Esta frase é claramente enganosa e visa levar os leitores a concluir que foi essa a decisão do Tribunal, quando, na verdade, a única decisão que apreciou esta questão a fundo decidiu que isso era falso.
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Se queres verdadeiras vitórias, mostra alguma coragem e marca o próximo exame de acesso. Deixa que as acções sejam julgadas pelas questões de mérito e não tentes ganhar com enganos, mentiras e omissões que levem a que o Tribunal não possa apreciar as verdadeiras questões.
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Ou não o vais fazer porque sabes que vais perder e isso é mau para as eleições?
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A sentença está integralmente disponível aqui ou aqui ou aqui para quem a quiser.
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Peço ainda aos leitores que assinem a Petição Online para Abertura do Estágio de Advocacia.
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Cumprimentos,
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L.O.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Video

Olá Marinho,

Hoje envio-te um video para não teres de perder muito tempo com leituras.

É uma entrevista a António Pinto Leite e Luis Sáragga Leal, sócios da MLGTS e PLMJ, respectivamente.

Cumprimentos,

O Legislador Ordinário




quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Porque é que o Exame de Acesso é ilegal? - Parte I

Olha o gajo,


Então Marinho, tudo bem? Olha lá, estás de férias? Espero que sim porque há já muito tempo que não te vejo nas notícias e começo a temer pelo teu bem-estar.

Pois é, chegou a altura de referir alguns dos argumentos jurídicos que levam a generalidade do mundo formado em Direito, à excepção de ti e de alguns dos teus amigos, a concluir que o Exame de Acesso é ilegal. Bem sei que o meu contributo para este debate tratá pouco de novo, uma vez que não direi nada que não tenha já sido dito por ilustres juristas como Luís de Menezes Leitão, Marcelo Rebelo de Sousa, Jorge Miranda, Cândido da Agra, Teresa Beleza, Luís Fábrica, Agostinho Guedes, Heinrich Hörster e ainda pelo Tribunal Administrativo de Lisboa e pelo Tribunal Central Administrativo Sul (acórdão disponível aqui), contudo, creio que não custa tentar.

Aproveito, desde já, para limitar o tema desta carta à questão da ilegalidade do Exame, abstendo-me de avançar, para já, pelas questões da inconstitucionalidade.

Após a leitura deste teu texto pude concluir que te baseias em dois argumentos para sustentar a legalidade do Exame:

1 - O da interpretação da lei: "Ora, de acordo com o artigo 9º do Código Civil, a interpretação da lei não deve cingir-se à sua letra, mas sim reconstituir, a partir do texto legal, o pensamento do legislador, tendo sobretudo em conta as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Ou seja, a lei nunca deve ser aplicada de forma literal e mecanicista."

2 - O da permissão legislativa atribuída pelo art. 184º nº2 do Estatuto da Ordem dos Advogados para regulamentar o acesso ao estágio: "Por outro lado, diz a norma do artigo 184º, nº 2 do EOA que o acesso ao estágio se faz nos termos dos regulamentos aprovados em conselho geral. Foi, pois, com base nesta norma que o actual Conselho Geral da OA elaborou um regulamento nos termos do qual o acesso ao estágio dos licenciados pós-Bolonha se faz através de um exame nacional que só admita os que mostrarem possuir os conhecimentos adequados."

Nesta carta limitar-me-ei a abordar o teu primeiro argumento. Em parte para não me alongar em demasia, mas principalmente porque te responderei com base nos conhecimentos que adquiri na disciplina de "Introdução ao Estudo do Direito", disciplina essa que me foi leccionada quando eu ainda era um jovem estudante de Direito não integrado no Processo de Bolonha. Portanto, nesta carta vou responder-te com base nos meus conhecimentos pré-Bolonha e na próxima com base nos meus conhecimentos pós-Bolonha.

A norma que te propões interpretar é a seguinte:

Artigo 187.º
Inscrição

Podem requerer a sua inscrição como advogados estagiários os licenciados em Direito por cursos universitários nacionais ou estrangeiros oficialmente reconhecidos ou equiparados.


Dizes tu que quando o legislador, no longínquo ano de 2005, decidiu colocar como requisito necessário e suficiente de acesso ao estágio a titularidade de uma licenciatura em Direito, o que ele queria na verdade dizer era uma "licenciatura em Direito de 5 anos". Ou, no mínimo, dizes que o legislador se estava a referir a uma verdadeira licenciatura e não a um bacharelato "travestido" de licenciatura.
Dizes-me então que o legislador se esqueceu de corrigir essa exigência, apesar de ter alterado o EOA em 2008 e em 2010, já depois da entrada em vigor do processo de Bolonha? Sim?
Provavelmente dir-me-ás que as alterações que aí foram feitas tinham outros objectivos e que nem sequer se focaram nessa questão. Então pergunto-te o seguinte: porque é que na alteração de 2008, feita pelo Decreto-Lei 226/2008 de 20 de Novembro, foi alterado o Estatuto da Câmara dos Solicitadores e introduzido o seu art. 93º nº1 que diz o seguinte: Artigo 93.º

93º

1 — Podem requerer a inscrição no estágio [de Solicitadoria]:

a) Os titulares de licenciatura em Direito, que não
estejam inscritos na Ordem dos Advogados, e os que
possuam licenciatura em Solicitadoria, ambos com
diploma reconhecido, sem prejuízo da realização de
provas, nos termos do regulamento de inscrição;

Recapitulando, o legislador esqueceu-se de alterar os requisitos de acesso ao estágio de advocacia no EOA apesar de também o ter alterado, mas alterou o Estatuto da Câmara dos Solicitadores reconhecendo implicitamente que basta uma licenciatura em Direito para se estar inscrito na Ordem.
Dir-me-ás que também aí o legislador se referia a uma licenciatura pré-Bolonha e que apenas se referia aos licenciados pré-Bolonha já inscritos na Ordem dos Advogados. Mas esta alteração é de 2008, 2 anos depois de Bolonha ter entrado em vigor e menos de um ano antes de terem surgido os primeiros licenciados de Bolonha. Achas mesmo que o legislador se esqueceu de distinguir? Ou poderá ser que optou por equiparar? Conheces os velhos brocardos (muitas vezes falíveis, é certo) "ubi lex non distinguit, nec nos distinguire debemus" e "ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit"?

Portanto, tu recorres ao art. 9º nº1 C.C. que diz que para a interpretação é necessário "reconstituir, a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta [...] as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada."
Quer isto dizer que nos temos de colocar na pele do legislador de 2005, o qual estava a pensar nos licenciados de 5 anos e nunca pensou sequer na futura existência de licenciados de Bolonha?Isto apesar de Portugal ter assinado a Declaração de Bolonha logo a 19 de Junho de 1999?
Temos ainda de ignorar as duas alterações subsequentes ao EOA (necessariamente) por parte do legislador e entender que este se esqueceu de alterar o referido art. 187º do EOA? Mas isso não viola o disposto no art. 9º nº3 CC, quando este diz que "Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados"?

Em suma, interpretas restritivamente a norma do art.187º EOA recorrendo ao elemento histórico e ao espírito da lei, apesar de, à data da feitura da lei já estarem previstas as consequências que dizes não terem sido consideradas pelo legislador. Apesar de o legislador ter alterado o EOA sem mexer nos requisitos de acesso ao estágio e de ter, de certo modo, corroborado a suficiência de uma licenciatura em Direito para aceder à Ordem dos Advogados através da alteração do art. 93º do Estatuto da Câmara dos Solicitadores, entendes que mesmo assim o "coitadinho" não se soube explicar e propões-te a dar tu uma interpretação definitiva e vinculativa da norma, regulamentando-a no sentido oposto. Mas mesmo que a lei te permitisse dar essa interpretação (coisa que nunca seria permitida), a CRP proibir-to-ia no seu art. 112º nº5.

Temos de combinar um café,

Abraço,

O Legislador Ordinário

P.S. - A Sofia Paixão manda cumprimentos

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A publicação das notas do Exame de Acesso

Ora viva, caro Bastonário,


Desculpa não te ter podido escrever antes mas as férias não mo permitiram.
No tempo em que estive fora não pude acompanhar as notícias em que eloquentemente disseste que o Procurador-Geral da República "não manda nada" e que tem "os poderes da Rainha de Inglaterra", ou em que acusaste os Procuradores do caso Freeport de chamarem "estúpido" ao povo português, ou mesmo aquela em que disseste que a forma de o MP actuar é uma "aberração".
Tenho andado a tentar compensar o tempo perdido a ler notícias à babuje mas ainda não tive tempo para ler tudo. Um gajo está fora um bocadinho e quando chega não sabe quem é que estás a insultar agora e quem é que insultaste entretanto.

Ora bem, hoje venho falar-te da publicação das notas do Exame de Acesso.
Estava eu à frente do computador a jogar ao Torture Game e a pensar em ti quando, por volta das 22.30 do dia 16 de Junho de 2010, na janela em que estava aberto o Facebook, recebi mais um "Alerta Marinho".
Naturalmente, fiquei curioso. Depois de teres insultado os juízes, procuradores, advogados estagiários, advogados não estagiários, licenciados das privadas, licenciados das públicas, deputados, professores de Direito, comentadores de televisão, jornalistas, presidentes de Conselhos Distritais, governantes, outros políticos, órgãos de polícia criminal e a Manuela Moura Guedes, pensava que tinhas esgotado as manchetes dos jornais.

Qual não é o meu espanto quando me deparo com uma notícia com o seguinte cabeçalho: 90% dos licenciados em Direito chumbam no exame de acesso ao estágio.
Passados 2 meses e meio de espera pela correcção dos testes e após a publicação de duas grelhas de correcção, eis que estes chegam pelos meios de comunicação social.
De imediato abri o site da Ordem dos Advogados para encontrar os referidos resultados mas, para meu grande espanto, não encontrei lá qualquer notícia referente ao facto. Na notícia das 22.16 do dia 16 de Junho encontrava-se inclusivamente um comunicado verbal do Bastonário susceptível de ser ouvido aqui, o qual terá (ao que tudo indica) sido gravado após o seu conhecimento dos referidos resultados. Contudo, no site da OA não se encontrava nenhuma notícia semelhante e nenhum comunicado.

Foi apenas na tarde do dia seguinte que foi publicada a lista dos licenciados aprovados no Exame de Acesso, tal como se pode comprovar da comparação da data da publicação da notícia referida com a data deste comunicado do site da OA (a notícia é de dia 16 e o comunicado é de dia 17).
Mas como é que é possível que tenhas informado a comunicação social os resultados dos Exames antes de os teres comunicado aos Candidatos? Como é que achas que cada um dos 285 licenciados que se submeteram ao Exame (e tomaram conhecimento desta notícia no dia 16) passaram a noite à espera que te dignasses a publicar a lista dos aprovados?

E como é que isto acontece? Tens um jornalista à porta de tua casa à espera de cada pedaço de informação que lhe possas atirar pela janela? Ou será que tomaste conhecimento dos resultados e imediatamente trataste de os espalhar aos sete ventos para que, pela altura em que os protestos daqueles que não foram aprovados se levantassem, já a opinião pública estivesse do teu lado e contra "o facilitismo das faculdades em relação a estes doutorzecos de vinte e poucos anos"?
De facto tu bem apregoas a necessidade de a "Ordem dos Advogados" (rectius, tu), ter "um discurso público capaz de mobilizar a opinião pública" (in "Um combate desigual", p.15).
E qual foi o resultado dessa jogada? Comentários deste género (como já referi noutro post):

1 - "o marinho tem razao....nunca vi na minha vida licenciados tao burros....mesmo burros....sao licenciados das novas oportunidades---saloios licenciados...incultos..ignorantes...ganda marinho"

2 - "Que grandes cábulas esses licenciados que chumbaram no exame. Ahahahahahahahah. Entram nas universidades e andam a colecionar cadeiras para quê? Ca buuuuuuuuuurrrrroooossssssss!!!"

3 - "jà não era sem tempo

que se começa a ter algum critério na profissão de advogado,que está recheada de vigaristas e aldrabões sem nenhuma ética,muitos dos quais estão mais vocacionados para carteiristas do que para advogacia.Falo por experiência propria porque já fui espoliado e enganado por vários destes "doutores de trazêr por casa".Força Marinho Pinto,pena é que não se tenham aplicado medidas dessas nos que se foram infiltrando nos últimos trinta anos."


4 - HAHAHAHAHA

"Cambada de burros, pensam que um bacharelato é suficiente, hahahhahhahahhhahahhahahhahahha, vão mas é estudar e acabar o mestrado, já não chega os burros da privada, pensarem que são gente, hahahhaha, especialmente aqueles que compr....tiraram uma média "alta"


E eis que no dia seguinte já os jornais e telejornais tinham as notícias no ar sem que os resultados tivessem sido publicados.
Imediatamente a opinião pública estava formada: "O Marinho Pinto era o homem que tinha coragem de fazer face ao poder e de deitar abaixo os licenciados da treta que saem aos magotes das faculdades e que não se comparam aos de antigamente".
Aproveitando ainda o facto de os licenciados em Direito darem origem a profissionais contra os quais parte da população manifesta uma certa animosidade, mais não seja por serem titulares de cargos que implicam algum poder (juízes, advogados, procuradores, órgãos de polícia criminal, etc.), prontamente surgiu uma onda de apoio a Marinho Pinto.

Criaram-se então dois grupos de licenciados em Bolonha:

- Os que reprovaram.
- Os que foram aprovados.

E qual é a característica que ambos estes grupos têm em comum? Nenhum deles está a estagiar.

Resumindo:

1 - 22.16 de dia 16 de Junho de 2010 - São publicadas as estatísticas dos resultados do Exame de Acesso.
2 - Tarde de dia 17 de Junho de 2010 (após o Telejornal) - É publicada a lista dos candidatos admitidos ao estágio.
3 - 5 de Agosto de 2010 - 32 novos licenciados admitidos ao estágio por aprovação em recurso.
4 - 2.21 de dia 16 de Agosto de 2010 - Todos à espera de iniciar o estágio e nenhuma informação acerca da data do início desta.

Resultado:

1 - Opinião pública formada no sentido da incompetência dos licenciados de Bolonha.
2 - Opinião pública do lado do pretenso defensor da qualidade do ensino que se insurge contra a massificação da incompetência.
3 - 65 licenciados aprovados e à espera de estágio, embora os últimos 32 (admitidos na sequência da decisão dos pedidos de revisão) que entraram tenham passado despercebidos à opinião pública e não tenham merecido qualquer reparo da tua parte.

Conclusão:

1 - Fizeste com que a opinião pública ficasse do teu lado.
2 - Tentaste descredibilizar os licenciados reprovados mediante a aprovação de quase tantos candidatos quantos os admitidos de início, uma vez que a duplicação dos admitidos torna os resultados menos escandalosos.
3 - Os novos licenciados aprovados passaram despercebidos e não mereceram grande atenção da comunicação social, salvo a ocasional excepção.
4 - De forma casuística, quando fores acusado de ter chumbado 90% dos licenciados, poderás desmenti-lo dizendo que posteriormente admitiram o dobro dos inicialmente admitidos. Assim consegues ainda passar a mensagem de quem está disposto a não ser tão duro com os cachopos ao início e que até deixas que entrem mais uns por caridade.
5 - O cidadão médio que só presta atenção às manchetes reteve as seguintes informações: os licenciados de Bolonha são maus, tu chumbaste 90% desses licenciados, tu dignificas a advocacia, tu tens coragem de fazer frente ao poder quando os outros se acobardam, tu és bom.

Enganei-me nalguma coisa?

Abraço

O Legislador Ordinário

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Mentiras e dislates

Olá Marinho,


Peço desculpa pelo meu silêncio nos últimos dias, mas infelizmente encontro-me impossibilitado de te escrever com a frequência desejada.
Como não te devo poder escrever por mais uma semana ou semana e meia, aproveito para te endereçar o seguinte link para um texto de Cândido da Agra, Teresa Beleza, Luís Fábrica, Agostinho Guedes e Heinrich Hörster:

Lê que vale a pena.

Abraço,

O Legislador Ordinário

domingo, 1 de agosto de 2010

Da fundamentação do Exame de Acesso - parte II

Então Marinho, como vai isso?


Hoje estive a ouvir outra vez a entrevista que deste à TSF no dia 16 de Junho de 2010 sobre os chumbos no Exame de Acesso. A verdade é que estava planeado que a carta de hoje versasse sobre a divulgação dos resultados dos Exames de Acesso, mas ao ouvir a entrevista tive de fazer mais uma carta com praticamente o mesmo fundo. Correndo o risco de ser repetitivo, vou ter de bater na mesma tecla porque estas incongruências fazem-me comichão.

Disseste tu que os novos licenciados "não estão nada preparados para poderem receber formação profissional para advogados" e que "os licenciados antes de Bolonha estavam muito melhor preparados em regra". De seguida remataste com um "os advogados estão hoje muito pior preparados do que os magistrados" e um "os advogados não estão sequer preparados para iniciar o patrocínio forense".
Ora, segue-me lá neste raciocínio. Em primeiro lugar, invocas a superioridade académica dos licenciados antes de Bolonha e usa-la como fundamentação para a sua isenção da realização do Exame. De seguida dizes que os actuais advogados quando começam a trabalhar não estão preparados para o fazer. Mas ainda não há advogados licenciados pós-Bolonha, ou seja, todos aqueles advogados mal preparados a que te referes se inserem naqueles licenciados "muito melhor preparados em regra".

Os únicos advogados que Bolonha produziu ainda são estagiários e encontram-se em 3 grupo:
- Os que passaram no Exame de Acesso.
- Os que entraram pela via judicial.
- Os que tiveram a sensatez de se licenciar nos cursos de 3 anos que tanto criticas e conseguiram entrar antes da imposição do teu Exame.

E mais, nas páginas 55 e 56 do "Um combate desigual" dizes o seguinte: "(...) eles [os estagiários] têm de pagar avultadas quantias à Ordem, em troca de uma formação profissional de má qualidade, que não os deixa devidamente preparados para enfrentar as dificuldades da profissão. A preparação que a Ordem, através dos Conselhos Distritais, proporciona aos advogados estagiários é muito, mas mesmo muito inferior à preparação que é ministrada aos auditores de justiça no Centro de Estudos Judiciários"

Queres com isto dizer que os licenciados de Bolonha estão tão mal preparados que nem são capazes de receber formação de má qualidade?
Não te parece que deverias pegar primeiro na qualidade do ensino na Ordem em vez de fazeres um Exame que premeia os que nele são aprovados com a possibilidade de ingressar numa formação de má qualidade?

E mais, com o reduzido número de alunos admitidos ao estágio, iremos ter cursos no Conselho Distrital do Porto com 4 formandos (2 da Universidade do Porto e 2 da Universidade do Minho) e no Conselho Distrital de Coimbra com 3? Isso vai melhorar a qualidade da formação? Bem, o ambiente será certamente mais familiar.
Mas considerando o reduzido número de alunos, tenho as minhas dúvidas que abram sequer cursos nos referidos Conselhos. Quererá isto dizer que os referidos licenciados, apesar de aprovados, terão de esperar mais tempo para poderem iniciar a sua formação de 2 anos e meio? Ou terão de vir para Lisboa fazê-la? Em que medida é que isto não é limitar o exercício do estágio por razões de ordem económica?

Assim que puderes diz qualquer coisa,

Abraço

O Legislador Ordinário

sábado, 31 de julho de 2010

Os moldes em que foi feito o Exame de Acesso

Boa noite, Marinho


Desculpa lá não ter dito nada ultimamente mas tenho andado bastante ocupado. Em breve irei de férias e terei de suspender brevemente as comunicações periódicas, mas asseguro-te que quando voltar compensarei o tempo perdido.
Hoje venho falar-te dos moldes em que foi realizado o famigerado Exame de Acesso, nomeadamente das matérias que foram objecto de avaliação e da localização geográfica do mesmo.

1 - No que concerne às matérias para as quais o aspirante a advogado-estagiário (categoria esta que terá sido o teu grande contributo para a história da OA) deverá estudar para o exame, diz o nº2 do art.9º-A do Regulamento Nacional de Estágio, com a alteração imposta pela Deliberação nº 3333-A/2009, o seguinte: "O exame nacional de acesso será constituído por uma única prova escrita e incidirá sobre algumas das seguintes disciplinas: de direito constitucional, direito criminal, direito administrativo, direito comercial, direito fiscal, direito das obrigações, direito das sucessões, direitos reais, direito da família, direito do trabalho, e, ainda, direito processual penal, direito processual civil, processo do trabalho, procedimento administrativo e processo tributário".
Portanto, o aspirante deve rever praticamente tudo o que foi dado na licenciatura e ainda deve aprender processo do trabalho por si, de maneira a estar verdadeiramente preparado. Considerando que, no mínimo, cada uma destas disciplinas é leccionada e estudada durante um semestre e que os alunos terão sempre de rever as matérias antes de qualquer exame, estamos a falar de revisões para 14 disciplinas e ainda processo do trabalho.
Dir-me-ás que qualquer aluno de uma licenciatura deve ter a matéria fresca na sua mente e ser capaz de resolver os problemas que lhe sejam colocados em qualquer uma destas áreas. Isso seria sem dúvida desejável, mas dificilmente exigível, especialmente no curto espaço de tempo que é dado para a resolução do exame.
A verdade é que este exame, como já tive ocasião de explicitar, se fundamenta - em grande medida - na existência de uma suposta inferioridade qualitativa da preparação académica dos licenciados de Bolonha. No entanto, com o intuito de provar essa inferioridade, acaba por forçar a demonstração da mesma mediante a imposição de um exame aos novos licenciados para o qual não há base de comparação com os antigos licenciados. Ou seja, para demonstrar que os novos licenciados estão mal preparados, exige-se algo a estes que nem foi nem seria exigível aos antigos licenciados e para o que estes teriam tido iguais dificuldades na preparação.

2 - Segue-se a questão da localização geográfica do Exame de Acesso, a qual se me afigura como de maior gravidade.
Para alguém que tanto apregoa a sua preocupação com as condições económicas dos recém-licenciados, ao ponto de dizer que o Exame de Acesso é uma medida alternativa à exigência de Mestrado, a qual seria injusta por exigir mais recursos económicos ("De facto, pode haver licenciados que já tenham adquirido conhecimentos suficientes para poderem receber a formação profissional necessária ao exercício da advocacia e não possuam recursos económicos para obter o mestrado"), pouco te preocupaste com os recursos económicos de todos os licenciados de Direito que se tiveram de deslocar a Lisboa (ao Instituto Superior de Engenharia de Lisboa) de propósito para fazer o Exame. Recusaste-te a admitir a realização do Exame nos vários Conselhos Distritais e obrigaste aqueles que tinham recursos a deslocarem-se a Lisboa, excluindo assim aqueles que os não tinham (os da Madeira, Açores, Minho, Algarve, etc.).
Além do mais, sendo admitida a consulta de elementos bibliográficos durante o Exame, ao obrigares os examinandos a vir de longe para Lisboa, limitaste a quantidade de livros que os mesmos poderiam trazer na bagagem (em comparação com os que residem mais perto e têm mais facilidade em arranjar transporte particular ou em carregar por pouco tempo elevadas quantidades de livros e códigos jurídicos) e criaste ainda outra situação de desigualdade.
Estamos a falar numa obrigatoriedade de trazer, no mínimo, a seguinte legislação: CRP, CP, CPA, CPPT e LGT, C.Civ., C.Com., CSC, CT, CPP, CPC, CPT e CPTA. Adicionando a toda esta legislação a quantidade de bibliografia desejável, a verdade é que tornaste muito difícil a realização do Exame em condições de paridade para todos os licenciados, especialmente se tivermos em conta que muitos vieram das suas terras no dia do Exame, pelo que terás de acrescentar à referida desigualdade o cansaço e o peso das horas de viagem, quer a conduzir, quer em transportes com malas de livros às costas.

Ao menos tem o bom senso de corrigir isto em Outubro, caso optes por respeitar a norma do EOA que obriga à abertura de vagas para a OA duas vezes por ano.

Abraço,

O Legislador Ordinário

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Da fundamentação do Exame de Acesso - parte I

Saudações, Marinho

Ontem fui ver o novo filme do Christopher Nolan, com o Dicaprio, chamado Inception. Vale a pena ires ver quando tiveres tempo. Mas tens de prestar atenção a tudo senão não percebes nada.

Quero começar esta carta por agradecer a tua resposta no teu artigo de hoje à minha última carta. Coincidência ou não, a verdade é que foi a primeira vez que te ouvi falar em "honrosas e muito poucas excepções" para o dito facilitismo nas Faculdades de Direito portuguesas.
Dizes tu o seguinte:

"É que é preciso averiguar os reais conhecimentos dos licenciados, pois hoje ninguém reprova nas universidades portuguesas. Aquela que o fizesse rapidamente ficaria sem alunos, já que estes naturalmente procurariam as universidades em que não corressem esse risco. É a lei do mercado, neste caso a funcionar ao contrário, pois em vez de melhorar o produto final (o ensino do direito) degradou-o. Salvo honrosas e muito poucas excepções, um curso de direito obtém-se, hoje, mediante dois requisitos: dinheiro para pagar as elevadíssimas propinas ou prestações mensais e paciência para esperar três ou quatro anos. "

Isto leva-me ao ponto seguinte: o da análise da fundamentação que apresentas para a necessidade de se instituir um Exame de Acesso.
Resumidamente, dir-se-á que os teus argumentos nucleares consistem nos seguintes:

1 - Actualmente não se pode confiar nos conhecimentos dos licenciados porque estes vêm mal preparados das faculdades e não estão prontos para iniciar a formação da advocacia.
Dizes tu o seguinte: "Com a diminuição dos cursos de direito de 5 para 4, e até para 3 anos, por via do chamado Processo de Bolonha, não mais deverá ser possível a admissão automática a estágio de candidatos que apenas possuam a licenciatura" (p.88 do "Um combate desigual")

2 - Existem advogados a mais e o mercado não tem espaço para eles todos. Esta massificação é "devida sobretudo ao facilitismo adoptado como regra nas universidades públicas e privadas"
Complementas este argumento da seguinte forma: "Por outro lado, a dignidade da advocacia (ou o que resta dela) e a própria OA não comportam um aumento de novas inscrições ao ritmo de mais de 2.500 por anos, pois, de outra forma, em menos de 10 anos seremos mais de 50 mil advogados num país onde bastariam 10 ou 15 mil para satisfazer adequadamente as respectivas necessidades sociais" (p. 89 do "Um combate desigual").
Dizes ainda que "(...) em aproximadamente 20 anos" o número de advogados foi elevado "de cerca de 6 ou 7 mil para mais de 30 mil" (p.25 do "Um combate desigual") e que se prevê que "no final de 2010 o número de inscritos na OA seja de mais de 28 mil advogados em exercício".

Independentemente dos restantes argumentos que apresentas, nomeadamente os da exploração do negócio da formação para fins privados dos formadores, da necessidade de equiparação de exigências académicas para o ingresso no CEJ e na OA, etc. estes são os principais e aqueles que são susceptíveis de ser autonomizáveis dos restantes porque são os que servem de fundamento ao afastamento exclusivo dos licenciados de Bolonha do ingresso ao estágio sem exame.

Se juntarmos os dois argumentos obtemos o seguinte: O ensino do Direito tem-se vindo a massificar nos últimos 20 anos e a produzir licenciados sem qualidade que têm entrado aos magotes na OA, mas até à entrada em vigor do Acordo de Bolonha (e mesmo depois) esses licenciados, sejam eles de que Faculdade forem, sempre puderam entrar na OA. É a partir da entrada em vigor do Acordo de Bolonha que chegas à conclusão que os licenciados de fraca qualidade não podem entrar na Ordem porque são particularmente fracos e que é necessário restringir o acesso. Mas admites que a falta de qualidade começou antes de Bolonha, embora exijas o Exame apenas para os licenciados de Bolonha.
Além do mais admites que existem "honrosas excepções" nas quais ainda há qualidade. Essa qualidade será, implicitamente, superior à daqueles que vieram das "Faculdades-cogumelo" que têm vindo a surgir nos últimos tempos e que se licenciaram antes de Bolonha. Para seleccionar os licenciados de Bolonha que constituem "as honrosas excepções" instituis um Exame de Acesso para separares o trigo do joio.

Em suma:

a) Há licenciados em Direito a mais.
b) Há advogados a mais.
c) Há licenciados de má qualidade que entraram na OA antes da entrada de Bolonha.
d) Há licenciados de má qualidade que entraram na OA depois da entrada de Bolonha.
e) Bolonha ao reduzir o número de anos em cada curso vai criar licenciados de má qualidade .
g) Bolonha, juntamente com o aumento de vagas, vai criar mais licenciados em menos tempo.
h) Os licenciados de má qualidade de Bolonha têm de ser impedidos de entrar na OA sob pena de haver ainda mais advogados e a situação se agravar.
i) Caso não sejam impedidos mediante um Exame de Acesso, os licenciados de Bolonha de boa (as "honrosas excepções") e má qualidade vão-se juntar aos licenciados pré-Bolonha de boa e de má qualidade.

Conclusões:
1 - Há que restringir o acesso à Ordem dos Advogados.
2 - Bolonha não tem nada a ver com a diminuição de qualidade dos licenciados. A proliferação de Universidades e o excesso de vagas dos últimos anos são os responsáveis.

Por fim: como avaliar um licenciado em Direito de qualidade? Para ti é através da instituição de um Exame de Acesso.
Ora daqui se extrai implicitamente que outrora (leia-se, antes de hoje e dos licenciados de Bolonha) as médias mereciam confiança e eram um sinal de competência. Isso acontecia mais ao menos em que época? Na época em que te licenciaste com média de 11?
De facto concordo que a média não passa de um indicador de competência e qualidade, havendo muita gente com médias baixas e que têm muita qualidade, mas não me parece que faça sentido dizer que antes as médias tinham algum significado e agora não.

Vai dando notícias.

Abraço

O Legislador Ordinário

terça-feira, 27 de julho de 2010

Ninguém reprova nas Faculdades de Direito

Olá Marinho,

Espero que esta carta te encontre bem de saúde e a gozar as merecidas férias de Verão.
Escrevo-te hoje para corrigir um equívoco teu. Recentemente afirmaste categoricamente mais um dos teus "factos" que se veio a revelar ser na verdade um palpite errado.
Não pretendo com esta correcção dizer que o fazes para manipular a opinião pública para que esta pense que toda a gente consegue um curso de Direito devido ao facilitismo das faculdades, antes pretendo emendar aquilo que certamente terá sido um lapsus linguae daqueles a que já nos acostumaste mas que, tanto quanto sei, não ousaste corrigir.
Como não quero, também eu, cair no erro de fazer afirmações que não posso sustentar, optei por me dirigir a uma Faculdade de Direito de prestígio para tirar fotografias às pautas de alguns exames, nomeadamente de Direito Internacional Privado I e de Direito Fiscal.
Para não dizeres que "ah essas notas não são definitivas porque os alunos têm sempre a época de recurso", decidi fotografar exactamente as notas da época de recurso, sendo que, caso não saibas, as notas inferiores a 7 representam um chumbo e uma necessidade de repetir a cadeira. Ora, tratando-se de cadeiras de final de curso isso implicará que os alunos tenham de ficar mais um ano na Faculdade a fazer as referidas cadeiras (o que, segundo o teu critério quantitativo de anos para medir a qualidade dos cursos, significará que ficarão com um curso de 5 anos, ou seja, de metade da duração do teu).

Portanto, disseste recentemente numa entrevista o seguinte:

"O ensino do Direito em Portugal é assim tão mau?
_ Havia boas escolas de Direito, mas mesmo essas têm embarcado no facilitismo. Ninguém reprova nas faculdades de Direito porque aquelas que chumbarem os seus alunos perdem-nos e perdem dinheiro. Hoje, os diplomas não valem nada (...)"

A verdade é que já antes o tinhas sugerido na televisão aquando do anúncio do aumento das vagas para Direito para o próximo ano. Como ninguém contestou, decidiste insistir e repeti-lo nesta entrevista. Mas a verdade é que se repetires muitas vezes a mesma mentira ela não vai deixar de ser uma grande treta.
Dir-me-ás de seguida: mas o facto de haver tantos chumbos só significa que os alunos não estão preparados. Ao que eu te responderei: então decide-te, ou as faculdades facilitam os alunos ou eles não estão preparados e não passam, não pode ser as duas coisas ao mesmo tempo.

Posto isto, apresento as referidas provas, sendo que não apresentarei nem os nomes dos alunos nem direi em que Faculdade as fui buscar. Se tiveres outras provas a apresentar, estás à vontade.

Abraço,

O Legislador Ordinário








P.S. - Caso não percebas os números diz que eu envio-te as fotografias.

Inauguração

Olá Marinho,

Quero começar este blog com um pedido de desculpas dirigido a ti. Há já muito tempo que te vens dirigindo a mim sem que eu tenha tido a gentileza de me dirigir a ti nos mesmos moldes.
É certo que tenho escrito n'O Legislador Ordinário e no Facebook o ocasional lamiré, mas a falta de tempo por motivos de estudo tem-me impedido de sistematizar e organizar correctamente as respostas a cada um dos pontos sobre os quais as tuas ilustres aparições na comunicação social têm versado.
Também é certo que te tenho respondido oralmente quando apareces na TV - os meus vizinhos que o digam - muitas vezes sem esperar sequer para engolir a comida que ocasionalmente tenho na boca aquando do telejornal, mas receio que os obstáculos à saída do som que os referidos alimentos constituem aliados à coprolália que tende a sair nessas alturas possam fazer com que a mensagem não te seja inteiramente inteligível.
Deste modo, e após detalhada análise de quase tudo aquilo a que te diz respeito, chega a altura de agir como manda a etiqueta e de me dirigir a ti nos mesmos moldes em que te diriges a mim, só que com fundamentação para as minhas afirmações.
Peço-te que não entendas estas cartas como tendo a intenção de, recorrendo a palavras tuas, te zurzir inescrupulosamente sem que nunca te seja dada a possibilidade de te defenderes das caluniosas acusações de que te poderás sentir vítima (p.162 do teu "Um combate desigual"). Pelo contrário, não só me comprometo desde já a publicar toda e qualquer resposta que envies para o meu e-mail, como te garanto que, caso te zurza, o farei escrupulosamente.

Posto isto, quero apenas deixar claro o motivo pelo qual decidi começar a escrever-te estas cartas.
Ao início também eu simpatizava contigo e com aquela tua tendência para te armares em Harvey Dent misturado com Morais e Castro. Depois fui directamente afectado por ti e isso fez com que deixasse imediatamente de simpatizar contigo.
Mas depois percebi que ainda simpatizava com algumas medidas tuas, embora por outro lado desprezasse outras. E foi aí que percebi que esse era um dos teus maiores truques.
Ao disparares em quase todas as direcções "em aliança com os cidadãos" (p.15 do "Um combate desigual"), consegues dois resultados:

1 - Em primeiro lugar consegues aparentar ser um justiceiro que faz frente às forças do mal responsáveis pela crise. A última luz de justiça que se vira contra aqueles que estão no poder. Assim consegues o apoio de todos aqueles que não atacas, ou seja, aqueles que não estão em profissões relacionadas com o Direito.

2 - Em segundo lugar consegues que muitos dos teus opositores concordem contigo em vários outros temas que não aqueles que fundamentam a sua oposição. Portanto, mesmo aqueles que não concordam contigo, são forçados a admitir que concordam contigo em muitos outros aspectos. O problema está em que muitos desses opositores se sentem forçados a escolher entre apoiar tudo o que fizeste ou não apoiar nada. Isso significa que, optando pela última posição, esses teus opositores vão cair quando forem confrontados com a evidência de que também tu fizeste coisas boas.

Além disso, baseias-te na aversão do cidadão médio a figuras de autoridade como aquelas que são geradas pelas profissões de Direito (grande parte dos deputados, advogados, juízes, polícias, professores universitários, magistrados do Ministério Público, etc.) e apresentas-te como aquele que se insurge, como aquele que não teme aqueles que estão "lá no poleiro". Aquele que quer mudar o péssimo estado da justiça e que vai lutar contra a corrupção apesar de estar a remar contra a maré.
Aproveitas-te ainda das notícias acerca do estado da educação em Portugal para fazeres passar a ideia ao cidadão comum de que "aqueles doutorzitos novos" não valem nada e deviam era estudar mais em vez de andarem nas bebedeiras. Portanto, quando dizes que é necessário que a Ordem dos Advogados tenha um "discurso público capaz de mobilizar a opinião pública para apoiar as suas grandes causas" (p.15 do "Um combate desigual"), estás na verdade a dizer que tu tens de conquistar a opinião pública sob pena de a tua não eleição te transformar num mártir. Mas com a vantagem de seres um mártir vivo, um herói que foi derrubado pelos seus pares mas que poderá subir ao poder de outra maneira: através de um cargo político. Aí sim, eleito pelo povo que tanto lutas por conquistar.

As cartas que te escrevo serão algumas desconstruções da tua argumentação, tentativa de refutação de alegados "factos" e pedidos de esclarecimento quanto a outros que não fundamentas.

Não te tentarei demover porque sei que, como orgulhosamente apregoas, se desistisses "seria a primeira vez em toda a [tua] vida que isso aconteceria" (p.25) e todos sabemos que preferes ir ao fundo agora e ressurgir mais tarde na política do que sequer ponderares a possibilidade de estares errado. Por isso tentarei apenas expor as falácias em que incorres, as falsidades que apresentas como verdadeiras e as injustiças que tu próprio praticas, sem prejuízo de te atribuir o mérito naquilo que se me afigurar como correcto.

Abraço,

O Legislador Ordinário