"A prestação do patrocínio forense não era a mesma coisa que o fabrico de bolas de Berlim ou a produção de alheiras"
António Marinho Pinto in "Um combate desigual", Verso de Kapa, 2010, p.46

sábado, 31 de julho de 2010

Os moldes em que foi feito o Exame de Acesso

Boa noite, Marinho


Desculpa lá não ter dito nada ultimamente mas tenho andado bastante ocupado. Em breve irei de férias e terei de suspender brevemente as comunicações periódicas, mas asseguro-te que quando voltar compensarei o tempo perdido.
Hoje venho falar-te dos moldes em que foi realizado o famigerado Exame de Acesso, nomeadamente das matérias que foram objecto de avaliação e da localização geográfica do mesmo.

1 - No que concerne às matérias para as quais o aspirante a advogado-estagiário (categoria esta que terá sido o teu grande contributo para a história da OA) deverá estudar para o exame, diz o nº2 do art.9º-A do Regulamento Nacional de Estágio, com a alteração imposta pela Deliberação nº 3333-A/2009, o seguinte: "O exame nacional de acesso será constituído por uma única prova escrita e incidirá sobre algumas das seguintes disciplinas: de direito constitucional, direito criminal, direito administrativo, direito comercial, direito fiscal, direito das obrigações, direito das sucessões, direitos reais, direito da família, direito do trabalho, e, ainda, direito processual penal, direito processual civil, processo do trabalho, procedimento administrativo e processo tributário".
Portanto, o aspirante deve rever praticamente tudo o que foi dado na licenciatura e ainda deve aprender processo do trabalho por si, de maneira a estar verdadeiramente preparado. Considerando que, no mínimo, cada uma destas disciplinas é leccionada e estudada durante um semestre e que os alunos terão sempre de rever as matérias antes de qualquer exame, estamos a falar de revisões para 14 disciplinas e ainda processo do trabalho.
Dir-me-ás que qualquer aluno de uma licenciatura deve ter a matéria fresca na sua mente e ser capaz de resolver os problemas que lhe sejam colocados em qualquer uma destas áreas. Isso seria sem dúvida desejável, mas dificilmente exigível, especialmente no curto espaço de tempo que é dado para a resolução do exame.
A verdade é que este exame, como já tive ocasião de explicitar, se fundamenta - em grande medida - na existência de uma suposta inferioridade qualitativa da preparação académica dos licenciados de Bolonha. No entanto, com o intuito de provar essa inferioridade, acaba por forçar a demonstração da mesma mediante a imposição de um exame aos novos licenciados para o qual não há base de comparação com os antigos licenciados. Ou seja, para demonstrar que os novos licenciados estão mal preparados, exige-se algo a estes que nem foi nem seria exigível aos antigos licenciados e para o que estes teriam tido iguais dificuldades na preparação.

2 - Segue-se a questão da localização geográfica do Exame de Acesso, a qual se me afigura como de maior gravidade.
Para alguém que tanto apregoa a sua preocupação com as condições económicas dos recém-licenciados, ao ponto de dizer que o Exame de Acesso é uma medida alternativa à exigência de Mestrado, a qual seria injusta por exigir mais recursos económicos ("De facto, pode haver licenciados que já tenham adquirido conhecimentos suficientes para poderem receber a formação profissional necessária ao exercício da advocacia e não possuam recursos económicos para obter o mestrado"), pouco te preocupaste com os recursos económicos de todos os licenciados de Direito que se tiveram de deslocar a Lisboa (ao Instituto Superior de Engenharia de Lisboa) de propósito para fazer o Exame. Recusaste-te a admitir a realização do Exame nos vários Conselhos Distritais e obrigaste aqueles que tinham recursos a deslocarem-se a Lisboa, excluindo assim aqueles que os não tinham (os da Madeira, Açores, Minho, Algarve, etc.).
Além do mais, sendo admitida a consulta de elementos bibliográficos durante o Exame, ao obrigares os examinandos a vir de longe para Lisboa, limitaste a quantidade de livros que os mesmos poderiam trazer na bagagem (em comparação com os que residem mais perto e têm mais facilidade em arranjar transporte particular ou em carregar por pouco tempo elevadas quantidades de livros e códigos jurídicos) e criaste ainda outra situação de desigualdade.
Estamos a falar numa obrigatoriedade de trazer, no mínimo, a seguinte legislação: CRP, CP, CPA, CPPT e LGT, C.Civ., C.Com., CSC, CT, CPP, CPC, CPT e CPTA. Adicionando a toda esta legislação a quantidade de bibliografia desejável, a verdade é que tornaste muito difícil a realização do Exame em condições de paridade para todos os licenciados, especialmente se tivermos em conta que muitos vieram das suas terras no dia do Exame, pelo que terás de acrescentar à referida desigualdade o cansaço e o peso das horas de viagem, quer a conduzir, quer em transportes com malas de livros às costas.

Ao menos tem o bom senso de corrigir isto em Outubro, caso optes por respeitar a norma do EOA que obriga à abertura de vagas para a OA duas vezes por ano.

Abraço,

O Legislador Ordinário

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