"A prestação do patrocínio forense não era a mesma coisa que o fabrico de bolas de Berlim ou a produção de alheiras"
António Marinho Pinto in "Um combate desigual", Verso de Kapa, 2010, p.46

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Da fundamentação do Exame de Acesso - parte I

Saudações, Marinho

Ontem fui ver o novo filme do Christopher Nolan, com o Dicaprio, chamado Inception. Vale a pena ires ver quando tiveres tempo. Mas tens de prestar atenção a tudo senão não percebes nada.

Quero começar esta carta por agradecer a tua resposta no teu artigo de hoje à minha última carta. Coincidência ou não, a verdade é que foi a primeira vez que te ouvi falar em "honrosas e muito poucas excepções" para o dito facilitismo nas Faculdades de Direito portuguesas.
Dizes tu o seguinte:

"É que é preciso averiguar os reais conhecimentos dos licenciados, pois hoje ninguém reprova nas universidades portuguesas. Aquela que o fizesse rapidamente ficaria sem alunos, já que estes naturalmente procurariam as universidades em que não corressem esse risco. É a lei do mercado, neste caso a funcionar ao contrário, pois em vez de melhorar o produto final (o ensino do direito) degradou-o. Salvo honrosas e muito poucas excepções, um curso de direito obtém-se, hoje, mediante dois requisitos: dinheiro para pagar as elevadíssimas propinas ou prestações mensais e paciência para esperar três ou quatro anos. "

Isto leva-me ao ponto seguinte: o da análise da fundamentação que apresentas para a necessidade de se instituir um Exame de Acesso.
Resumidamente, dir-se-á que os teus argumentos nucleares consistem nos seguintes:

1 - Actualmente não se pode confiar nos conhecimentos dos licenciados porque estes vêm mal preparados das faculdades e não estão prontos para iniciar a formação da advocacia.
Dizes tu o seguinte: "Com a diminuição dos cursos de direito de 5 para 4, e até para 3 anos, por via do chamado Processo de Bolonha, não mais deverá ser possível a admissão automática a estágio de candidatos que apenas possuam a licenciatura" (p.88 do "Um combate desigual")

2 - Existem advogados a mais e o mercado não tem espaço para eles todos. Esta massificação é "devida sobretudo ao facilitismo adoptado como regra nas universidades públicas e privadas"
Complementas este argumento da seguinte forma: "Por outro lado, a dignidade da advocacia (ou o que resta dela) e a própria OA não comportam um aumento de novas inscrições ao ritmo de mais de 2.500 por anos, pois, de outra forma, em menos de 10 anos seremos mais de 50 mil advogados num país onde bastariam 10 ou 15 mil para satisfazer adequadamente as respectivas necessidades sociais" (p. 89 do "Um combate desigual").
Dizes ainda que "(...) em aproximadamente 20 anos" o número de advogados foi elevado "de cerca de 6 ou 7 mil para mais de 30 mil" (p.25 do "Um combate desigual") e que se prevê que "no final de 2010 o número de inscritos na OA seja de mais de 28 mil advogados em exercício".

Independentemente dos restantes argumentos que apresentas, nomeadamente os da exploração do negócio da formação para fins privados dos formadores, da necessidade de equiparação de exigências académicas para o ingresso no CEJ e na OA, etc. estes são os principais e aqueles que são susceptíveis de ser autonomizáveis dos restantes porque são os que servem de fundamento ao afastamento exclusivo dos licenciados de Bolonha do ingresso ao estágio sem exame.

Se juntarmos os dois argumentos obtemos o seguinte: O ensino do Direito tem-se vindo a massificar nos últimos 20 anos e a produzir licenciados sem qualidade que têm entrado aos magotes na OA, mas até à entrada em vigor do Acordo de Bolonha (e mesmo depois) esses licenciados, sejam eles de que Faculdade forem, sempre puderam entrar na OA. É a partir da entrada em vigor do Acordo de Bolonha que chegas à conclusão que os licenciados de fraca qualidade não podem entrar na Ordem porque são particularmente fracos e que é necessário restringir o acesso. Mas admites que a falta de qualidade começou antes de Bolonha, embora exijas o Exame apenas para os licenciados de Bolonha.
Além do mais admites que existem "honrosas excepções" nas quais ainda há qualidade. Essa qualidade será, implicitamente, superior à daqueles que vieram das "Faculdades-cogumelo" que têm vindo a surgir nos últimos tempos e que se licenciaram antes de Bolonha. Para seleccionar os licenciados de Bolonha que constituem "as honrosas excepções" instituis um Exame de Acesso para separares o trigo do joio.

Em suma:

a) Há licenciados em Direito a mais.
b) Há advogados a mais.
c) Há licenciados de má qualidade que entraram na OA antes da entrada de Bolonha.
d) Há licenciados de má qualidade que entraram na OA depois da entrada de Bolonha.
e) Bolonha ao reduzir o número de anos em cada curso vai criar licenciados de má qualidade .
g) Bolonha, juntamente com o aumento de vagas, vai criar mais licenciados em menos tempo.
h) Os licenciados de má qualidade de Bolonha têm de ser impedidos de entrar na OA sob pena de haver ainda mais advogados e a situação se agravar.
i) Caso não sejam impedidos mediante um Exame de Acesso, os licenciados de Bolonha de boa (as "honrosas excepções") e má qualidade vão-se juntar aos licenciados pré-Bolonha de boa e de má qualidade.

Conclusões:
1 - Há que restringir o acesso à Ordem dos Advogados.
2 - Bolonha não tem nada a ver com a diminuição de qualidade dos licenciados. A proliferação de Universidades e o excesso de vagas dos últimos anos são os responsáveis.

Por fim: como avaliar um licenciado em Direito de qualidade? Para ti é através da instituição de um Exame de Acesso.
Ora daqui se extrai implicitamente que outrora (leia-se, antes de hoje e dos licenciados de Bolonha) as médias mereciam confiança e eram um sinal de competência. Isso acontecia mais ao menos em que época? Na época em que te licenciaste com média de 11?
De facto concordo que a média não passa de um indicador de competência e qualidade, havendo muita gente com médias baixas e que têm muita qualidade, mas não me parece que faça sentido dizer que antes as médias tinham algum significado e agora não.

Vai dando notícias.

Abraço

O Legislador Ordinário

11 comentários:

  1. Julgo que nem vale a pena gastar teclas a responder ao BOA, só diz entulho.

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  2. Sim, nesta situação já desisti argumentar, contestar e replicar... Resta-nos ter fé que em Novembro as coisas vão mudar.

    João Vinha Barreto

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  3. Caro diconvergenciablog,
    O BOA fala convencido de que tem razão. Convencido de que a sua argumentação é completamente hermética e impenetrável. Ao menos podemos tentar mostrar que ele argumenta de forma ilógica e apresenta premissas que não levam necessariamente à conclusão que apresenta.

    Caro João,
    Pelo andar das coisas receio que em Novembro as coisas não vão mudar. As alternativas não são muito melhores a longo prazo (embora tenham a decência de propor uma alteração legislativa antes de agirem)

    Caro Príapo,
    Obrigado.

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  4. Da forma que as coisas estão, julgo que já nem vale a pena estagiar. O exame se for em Novembro, as notas saem quando os senhores doutores quiserem (lá para Fevereiro, na melhor das hipóteses). Os que tiverem a sorte de obter aprovação, vão estar a estagiar até fins de 2014, inicios de 2015!
    Para mim, tudo isto, é uma inútil perda de tempo...

    Propondo-se ou não uma alteração legislativa, o exame mantem-se. Já não vale a pena falar mais disto ou daquilo. O exame foi instituido para restringir o acesso à profissão. O MP foi eleito precisamente para isso. Se o MP diz que o exame foi criado porque bolonha não presta, porque os licenciados em direito são analfabetos, para defender a ordem de aliens, tudo isso não passa de entulho, nem vale a pena responder.
    Vozes de burro não chegam ao céu.

    Como o exame é para ficar, os candidatos devem-se é preocupar com os critérios de correcção. Devem-se preocupar, também, com a excessiva duração do estágio.

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  5. Meu caro,

    Estamos a falar de uma carreira de prestígio que durará uma vida inteira. É normal que vá demorar mas isso não é motivo para desistirmos.

    Independentemente de o exame ser para ficar, isso não me vai impedir de me manifestar contra ele e de argumentar contra os fundamentos apresentados pelo Bastonário.
    Também a duração do estágio é, em princípio, para ficar e isso não deixa de ser motivo para nos insurgirmos contra ela.

    Enquanto o Bastonário continuar a achar ser dono da razão e enquanto eu discordar dele, não deixarei de o manifestar e de contra-argumentar. A menos que entretanto já tenha dito tudo o que tinha a dizer. E isso ainda está relativamente longe de vir a acontecer.

    Cumprimentos

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  6. Legislador,

    Partindo das seguintes declarações, faça um post ao seu estilo:

    "Vou fazer as mudanças sem saltos bruscos, sem destruir nada do que existe na Ordem, garante Marinho Pinto."
    in
    http://www.inverbis.net/advogados/marinho-deixa-cair-discurso-populista.html

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  7. Após
    os ilustríssimos anteriores Bastonários da Ordem dos Advogados, António
    Pires de Lima e Rogério Fernandes terem manifestado - no espaço de
    opinião do site Advocatus relativo às eleições da OA - o seu apoio a
    dois dos candidatos a BOA, eis senão quando Adélia Boucinha (?) exprime o
    ... seu apoio ao candidato Marinho E Pinto.

    Estranha-se
    esta "ausência" de um nome de peso naquele que é o primeiro testemunho
    público de apoio à candidatura de Marinho E Pinto..

    Estratégia do
    actual BOA, de forma a tentar demonstrar que o "comum" advogado está
    com ele, e isso atesta a sua independência e afastamento dos grandes
    lobbys?

    Ou pura e simples ausência de apoios de renome?

    Questão de interesse (interesse meramente jocoso) é que a advogada em questão, segundo consta do seu Facebook, é licenciada pela Universidade MODERNA. Universidade que faz parte das tão criticadas Universidades por parte do Senhor BOA.

    Sem comentários.. LOL.

    Fica a questão e o depoimento.

    http://www.advocatus.pt/content/view/1973/1/

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  8. Caro António Alves,
    Assim que possível integrarei a sua sugestão numa das cartas.
    Estou aberto a quaisquer sugestões que se vos afigurem como oportunas.

    Caro Anónimo,
    São questões pertinentes e observações muitíssimo interessantes. Desconhecia esse facto de a advogada ser da Moderna.
    Possivelmente integrá-lo-ei numa carta futura.

    Cumprimentos

    L.O.

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  9. "É que é preciso averiguar os reais conhecimentos dos licenciados, pois hoje ninguém reprova nas universidades portuguesas (...) um curso de direito obtém-se, hoje, mediante dois requisitos: dinheiro para pagar as elevadíssimas propinas ou prestações mensais e paciência para esperar três ou quatro anos."
    Vou apenas referir o meu exemplo: sou aluno de Direito na Universidade Portucalense do Porto (privada) desde 2004 e tenho média de 11 valores. Faltam-me oito cadeiras para terminar a licenciatura de 4 anos de duração normal. Contudo, ando lá há quase 7 e não sou, nem de longe, o mais velho nem o que tem pior média. Em que ficamos Sr. Bastonário? Será esta universidade que frequento uma "honrosa excepção"?

    Melhores cumprimentos

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