"A prestação do patrocínio forense não era a mesma coisa que o fabrico de bolas de Berlim ou a produção de alheiras"
António Marinho Pinto in "Um combate desigual", Verso de Kapa, 2010, p.46

sábado, 2 de abril de 2011

O Absurdo




Olá Marinho,


Confesso que não foi com grande espanto que recebi a notícia do aumento dos emolumentos. Já tinha antecipado que viria alguma coisa do género e só estranhei ter demorado tanto.

Cada vez te preocupas menos com as aparências e já deixaste bem claro que o teu objectivo é chumbar a quase totalidade dos estagiários.
Depois desse chumbo - fazendo agora um juízo de prognose -, diria que não tardará a que venhas para as notícias dizer que estão todos mal preparados e que nada disto teria sido necessário se te deixassem manter o famigerado exame de acesso.
Poderás ainda dizer que era tua intenção evitar que os jovens entrassem na Ordem dos Advogados mal preparados e que querias evitar que perdessem 6 meses das suas vidas apenas para chumbarem. Porque tu querias apenas os melhores e ao ser declarada a inconstitucionalidade do exame de acesso, o que o Tribunal Constitucional conseguiu foi frustrar os sonhos e esperanças de tantos jovens... E tu, bonzinho, acataste a decisão apenas para depois se provar que tinhas razão...

Agora permite-me expor o meu ponto de vista, subscrito por alguns dos meus colegas estagiários.

I. Da marcação dos exames


Começaste, na alteração ao Regulamento Nacional de Estágio de 2009, por suprimir o elementar direito dos estagiários a repetição da prova em caso de chumbo, salvo nos casos de falta justificada. Pelo menos suprimiste a previsão expressa que constava do anterior regulamento.

Onde antes se lia:

Artigo 23.º
Repetição dos testes escritos da prova de aferição

1 — O advogado estagiário que falte justificadamente a todos ou
algum dos exames da prova de aferição ou em algum deles seja classificado com nota negativa poderá realizar novo teste escrito na área ou áreas a que faltou ou obteve insuficiência, por uma única vez, desde que se inscreva para o efeito no prazo de 15 dias úteis a contar da publicação da classificação inicial ou da decorrente da revisão da prova, sob pena de suspensão automática da inscrição.

Agora lê-se:

Artigo 23.º
Repetição dos testes escritos da prova de aferição

1 — O advogado estagiário que falte justificadamente a todos ou algum dos exames da prova de aferição poderá realizar, por uma única vez, novo teste escrito na área ou áreas a que faltou, desde que o requeira no prazo de 10 dias a contar da publicação da pauta de classificação, sob pena de suspensão automática da inscrição.


Portanto, o aluno que agora reprove num (dos seis) exame(s), terá de esperar que tu abras novo curso de estágio (o que, certamente, não será já este ano), para depois repetir a 1.ª fase toda e fazer novamente os exames. Sendo que nesta altura (aposto) a inscrição no estágio já estará sujeita ao novo Estatuto que entretanto há-de ser aprovado e que já deve prever a exigência de mestrado.

De seguida, marcaste 6 exames numa semana, organizados da seguinte forma:

- Dia 18 de Julho de 2011 (2.ª feira):
Exame de Prática Processual Civil e Exame de Organização Judiciária. Um de manhã (das 10h às 12h30), outro de tarde (das 15h às 17h.30).

- Dia 20 de Julho de 2011 (4.ª feira):
- Exame de Deontologia Profissional e Exame de Informática Jurídica - Um das 10h às 12h30m e outro das 15h às 17h.

- Dia 22 de Julho de 2011 (6.ª feira):
-Exame de Prática Processual Penal e exame de Direito Constitucional e Direitos Humanos - Das 10h às 12h30m e à tarde das 15h às 17h.

Não deixa de ser curioso se compararmos este mapa de exames, por exemplo, com o do último curso de estágio no Conselho Distrital do Porto:

12 de Setembro (sábado)

PRATICA PROCESSUAL PENAL (10.00h às 12.00h, mais ½ hora de tolerância)

16 de Setembro (quarta-feira)

DEONTOLOGIA PROFISSIONAL (15.00h às 17.00h, mais ½ hora de tolerância)

19 de Setembro (sábado)

PRÁTICA PROCESSUAL CIVIL (10.00h às 13.00h, mais ½ hora de tolerância)

Mas atenção: Para ti nós não temos 6 exames, temos, sim, 3 exames divididos em duas partes e duas matérias diferentes (basta ler o art. 20.º n.º 1 do RNE e que diz "1 — A prova de aferição é constituída por três testes escritos, cada um deles abrangendo duas matérias distintas." ).
Faz-me lembrar aquele episódio do Blackadder em que o Baldrick pensava que tinha visto uma vaca com duas cabeças e dois corpos, quando na verdade tinha visto duas vacas ao lado uma da outra.

Como se tal não bastasse, em cadeiras como Processo Civil, aumentaste o programa e diminuíste o número de horas de formação de 80 para 50.

Ah, e é verdade, pela primeira vez decidiste fazer um único Exame Nacional, em vez de vários exames organizados por cada Conselho Distrital. Assim, nem os formadores sabem o que sai no exame e nem tens de te preocupar se a matéria foi toda leccionada ou não: sai tudo.

(Ah, e já agora, não deixa de ser irónico como digas que não cabe à OA dar formação mas depois duplicas o número de cadeiras).

II. Da tabela de emolumentos

Agora vem a parte onde a Ordem conseguiu descer mais baixo que nunca.

Logo quando abriram as inscrições para a Ordem dos Advogados, todos nos inscrevemos e pagámos o valor de 200€, correspondente ao seguinte: 150€ a título de inscrição e 50€ a título de inscrição no exame final da 1.ª fase (embora lá diga do exame nacional de acesso ao estágio, o qual já não existe).
Tratava-se de um valor inferior àquele que era pago antes e que assim foi estipulado na célebre Deliberação n.º 2597/2009, onde se dizia (e atenção que esta é a parte engraçada), o seguinte:

"3. Considerando que durante o período de tempo em que o estágio decorre os Advogados Estagiários não auferem qualquer remuneração, ao contrário do que acontece com a maioria das profissões;

4. Considerando que a formação de um futuro Advogado deve ser exigente e rigorosa e de elevado sentido ético e deontológico, atento o exercício da Advocacia revestir interesse público e ser indispensável à defesa do Estado de Direito Democrático;

5. Considerando que o estágio deverá ser gratuito, num futuro que se deseja próximo, para aqueles que o frequentam;

6. Considerando que o acesso ao estágio da Advocacia não deve estar condicionado pelas limitações de ordem económica actualmente existentes;"

Isto foi, inclusivamente, uma das tuas bandeiras de campanha. Basta ver o teu Compromisso de Candidatura, onde dizes o seguinte:

"6 - Formação Gratuita
A formação dos Advogados deve ser tendencialmente gratuita. Os Advogados Estagiários são dos poucos candidatos a uma profissão que têm de pagar a sua formação. POu seja, não só não recebem qualquer subsídio como ainda têm de financiar a entidade formadora, ou seja, a Ordem dos Advogados. Isso não é justo. Assim, já que não recebem qualquer subsídio durante a sua formação, ao menos que esta seja gratuita. É o que iremos fazer."

Assim, numa atitude louvável de demonstração de compaixão pelos jovens em início de carreira, reduziste o custo do estágio.
Mas depois não abriste nenhum curso de estágio, apesar de a tal estares legalmente obrigado.

Depois, quando finalmente iniciaste o curso de estágio, a 15 de Março de 2011, bastante tempo depois de termos feito o pagamento daqueles valores, eis que surge a Deliberação n.º 855/2011, publicada em Diário da República no dia 30 de Março de 2011, a qual passou a impor o pagamento adicional de 700€ até à data dos exames da 1.ª fase, e o pagamento de 650€ até ao exame final de agregação.

Portanto, apregoaste a redução do preço de estágio, nós inscrevemo-nos com base na tabela de emolumentos publicada e pagámos o valor de 200€ e agora vieste impor um novo pagamento de 700€ a efectuar até Julho.

Em suma, a redução de preço que tanto enfatizaste, nunca existiu (ou melhor, existiu durante 15 dias).

Mais engraçado ainda... Vieste justificar esse aumento de preços, no preâmbulo da referida Deliberação n.º 855/2011, da seguinte forma:

"A) O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 3/2011, publicado na 1.ª Série do Diário da República, n.º 17, de 15 de Janeiro de 2011, declarou, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade do artigo 9.º-A, n.º 1 e n.º 2, do Regulamento Nacional de Estágio da Ordem dos Advogados [referente ao Exame de Acesso ao Estágio] na redacção que lhe foi conferida pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de Dezembro de 2009, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados;

B) Tal declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, impede a Ordem dos Advogados de recorrer ao exame nacional de acesso ao estágio como forma de exigir aos candidatos a estágio profissional o domínio de conteúdos técnico-jurídicos indispensáveis ao ingresso nos cursos de estágio ministrados pela Ordem dos Advogados;

C) A melhoria do sistema de justiça obriga a que os advogados que nela participam, exercendo o patrocínio forense, se encontrem devidamente preparados nas vertentes técnico-jurídica e deontológica;

D) A boa administração da Justiça não exige apenas bons magistrados, mas também advogados com elevada preparação teórica e prática, a ponto de possuírem um domínio elevado dos conteúdos, substantivo e adjectivo, do direito;

E) A formação a ministrar aos candidatos no acesso à profissão de advogado deve observar um elevado padrão de exigência como resulta do novo regime da formação de advogados estagiários, plasmado no Regulamento Nacional de Estágio, na redacção que lhe foi conferida pela Deliberação n.º 3333-A/2009, de 16 de Dezembro de 2009;


"F) Tal como sucede com a formação dos magistrados, não deve ser a Ordem dos Advogados a suportar os elevados custos financeiros com a formação dos candidatos a advogado, dado o manifesto interesse público de que se reveste o exercício da profissão e o seu papel decisivo na boa administração da justiça;

G) Em resultado do novo modelo de formação, mais exigente, ínsito no Regulamento Nacional de Estágio aprovado pelo Conselho Geral, e, bem assim, do acesso ao estágio por parte de candidatos a advogados com menos de 5 anos de licenciatura, torna-se necessário adequar os emolumentos previstos na Tabela de Emolumentos e Preços, para a fase de formação inicial e complementar do estágio e para a inscrição como advogado;

H) Tal alteração deve ser de modo a que os custos do acesso à profissão, não sendo para já assumidos pelo Estado, como acontece no caso dos magistrados, sejam suportados por quem pretenda aceder à profissão e não pela Ordem dos Advogados;

I) A diferente realidade dos vários Conselhos Distritais, quer quanto ao número de estagiários, quer quanto às condições dos respectivos Centros Distritais de Estágio, quer quanto às acessibilidades, e, outrossim, a necessidade, por imperativo legal, de definir valores emolumentares uniformes para todo o país;"


Espantoso... Como as coisas mudam.

Depois da declaração de inconstitucionalidade do exame de acesso, agora já devem ser os jovens, aqueles coitados que antes querias ajudar, a pagar este valor absurdo do estágio (o valor mais alto de sempre).


Assim, depois de teres perdido no Tribunal Constitucional, vens impor que o estágio que antes apregoaste dever custar 300€, passe agora a custar 1550€. E como se tal não bastasse, vens impor que este valor se exija imediatamente aos já inscritos.


Portanto, aqueles que não tiverem dinheiro serão forçados a abandonar o estágio, enquanto aqueles que pagarem e continuarem, muito provavelmente irão chumbar e ser forçados a aguardar, no mínimo, mais um ano (até que abras novo curso de estágio), para depois pagarem mais 700€ para poderem fazer a fase inicial.

Assim, só o estágio dos Conselhos Distritais de Lisboa e do Porto renderá cerca de 2.170.000,00€ e isto sem contar com o pagamento dos recursos de revisão de prova.


Em suma, tenta-se reduzir o número de estágio com um exame ilegal e inconstitucional, como não se consegue:
a) Aumenta-se absurdamente o preço do estágio e impõe-se essa alteração imediatamente. Sim, porque assim os mais carenciados não podem entrar e logo aí acaba-se com o trabalho que aqueles pobres tão incómodos dão.
b) Duplica-se o número de disciplinas e aumenta-se o programa das já existentes.
c) Marcam-se os exames todos para a mesma semana.

Parabéns, Marinho.

Abraço

P.S.

Caríssimos colegas:

Unam-se e reajam. Reclamem, recorram, processem, protestem, manifestem-se mas não se fiquem.
A subserviência e a passividade só provam que ele tem razão e que não percebemos nada de Direito. A imposição desta nova taxa é ILEGAL.
Já estão a ser organizados grupos para decidir as vias por onde seguir, não esperem que sejam os outros a agir.