"A prestação do patrocínio forense não era a mesma coisa que o fabrico de bolas de Berlim ou a produção de alheiras"
António Marinho Pinto in "Um combate desigual", Verso de Kapa, 2010, p.46

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Os exames da 1.ª fase



Olá Marinho,

Tenho evitado escrever-te para melhor poder desfrutar das curtas férias que um longo ano de primeira fase de estágio tardaram em trazer.
No entanto, antes que a letargia do calor e do conformismo me dêem a tradicional "marretada" na cabeça e me mergulhem nas profundezas do delicioso ócio cerebral que me congela a parte jurídica do cérebro, venho escrever-te uma última carta.
A carta, como não poderia deixar de ser, é dedicada aos exames de aferição realizados nos passados dias 18, 20 e 22 de Julho de 2011 (cujos enunciados se encontram aqui). Aqueles exames cujos resultados antecipas, qual vilão, enquanto acaricias lentamente um gato branco ao teu colo numa cadeira de cabedal que giras lentamente em direcção à tua secretária.

Por conveniência expositiva, abster-me-ei de repetir as minhas considerações prévias acerca do absurdo da existência de duas disciplinas por exame divididas em dois exames (um teórico e outro prático) com apenas um dia de intervalo.
Também não tecerei outras considerações acerca daqueles que se viram privados de realizar o exame de acesso porque as "inéditas" isenções de pagamento que proclamaste aos sete ventos mais não eram do que cenouras presas a canas de pesca que penduraste à frente daqueles membros da "manada" que menos posses têm.
Não... Ater-me-ei aos exames.

Dia 18 - Exame de Prática Processual Civil e Informática Jurídica

Da parte da manhã, nada de mais. Perguntas vagas e tecnicamente pouco precisas, mas nada de chocante. As revistas à legislação e a procura por cábulas numa já expectável tentativa de demonstração da superioridade moral da OA face ao CEJ.

Da parte da tarde surge o exame prático. Um caso prático feito "com rasteira". 10 valores dependentes da opção que tomássemos: processo executivo ou declarativo? Por um lado fomos advertidos de que o CNA era composto por membros do Porto e de Coimbra e que "sai quase sempre executivo". Por outro lado temos formadores a segredar aos ouvidos de alguns alunos durante os exames advertindo-os de que "não devem ir por aí", antes se deverão ficar pela via do processo declarativo. A resposta? Essa jaz no sagrado pergaminho dos critérios de correcção cuja divulgação permanece em suspenso até ao final das férias.

E as perguntas de prazos? Aquelas que motivaram a realização de duas sessões de formação (muito boas, por sinal) quase na véspera dos exames? Essas não existiram. Mas ainda assim foram distribuídos calendários aos formandos, quanto mais não seja para eles se entreterem a anotar os feriados e assim "queimarem" alguns minutos.

Dia 20 - Exame de Deontologia Profissional e de Informática Jurídica

Estudámos Informática Jurídica com base no que foi leccionado. Estudámos como pudemos para uma disciplina nunca antes leccionada e cujos formadores se opunham à sua sujeição a exame.
Focámo-nos no CITIUS e no SITAF, portais manifestamente mais importantes para a vida prática.
Em contrapartida fomos confrontados com a seguinte pergunta (com a cotação de 5v):
"O advogado B ficou encarregado de proceder ao registo de diversas alterações ao pacto social de uma sociedade por quotas, sua cliente, que tinha quatro sócios, com múltiplos actos, incluindo mesmo a transformação da sociedade em sociedade anónima.
Através do Portal da Empresa, conseguiu proceder a todos os registos necessários, mas, quando terminou, verificou que a acta da assembleia geral deliberativa do aumento de capital social e transformação da sociedade só estava assinada por três sócios.
Porém, tinha feito previamente a certificação de que a cópia da acta se achava em conformidade com o original constante do respectivo Livro de Actas, mas não reparara que a acta não estava assinada por todos os quatro sócios, ali dados como presentes.
A cliente estava com uma urgência enorme, por ter de apresentar certidão do novo pacto social num processo de financiamento bancário cuja falta podia implicar o fim a actividade comercial da empresa."

A matéria? Nunca foi sequer abordada nas aulas. A resposta? Alguns formadores não a sabiam dar no final do exame. As dúvidas colocadas pelos alunos? Essas obtinham respostas consoante o formador.

Dia 22 - Exame de Prática Processual Penal e Direito Constitucional e Direitos Humanos

Na véspera deste exame, pelas 14h12m, foi enviado aos estagiários do Conselho Distrital de Lisboa, o seguinte e-mail:

CDL


Ex.mos Senhores(as) Advogados(as) Estagiários(as)

Em virtude de termos recepcionado inúmeros e-mails e telefonemas esclarece-se o seguinte:


Não é permitida a utilização de comentários aos códigos. Apenas legislação anotada e comentada. Assim, não é permitido, entre outros, consultar no teste de amanhã o comentário ao Código de PP do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque.


Boa sorte!



Dept. de Formação



Portanto, entendeu o CDL, num despacho manifestamente inepto, que não é permitida a utilização de comentários aos códigos, mas somente de códigos comentados.
Curioso acerca da diferença, telefonei para o CDL. Os esclarecimentos do Departamento de Formação foram no sentido de que o Código de Processo Penal anotado pelo Professor Paulo Pinto de Albuquerque era "um comentário ao código comentado" [sic], não obstante a referência, nesse mesmo código, de que se trata de um código anotado.

Contudo, às 15h35m, veio o mesmo Departamento de Formação remeter o seguinte e-mail aos advogados estagiários:

CDL


Boa tarde

Por favor dêem sem efeito e-mail anterior. O Código do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque foi autorizado pela CNA.

Cumprimentos,

Dept. de Formação

--

Departamento de Formação
xxx@cdl.oa.pt

Rua dos Anjos, nº 79
1150 - 035 Lisboa

Tel. 21 312 98 50 . Fax. 21 353 40 57
www.oa.pt/lisboa

Ora, cumpre referir que muitos dos estagiários apenas adquiriram o CPP do Prof. Paulo Pinto de Albuquerque porque o mesmo lhes fora recomendado pelos formadores (sendo que o preço do mesmo ascende aos 99€).

Ao terem referido a notícia de que a sua utilização era proibida, e uma vez que estávamos na véspera do exame, vários estagiários dirigiram-se à livraria mais próxima e adquiriram um CPP (em cuja capa dissesse) anotado ou comentado. Escusado será dizer que esses mesmos estagiários não gostaram de receber a notícia de que, afinal, os primeiros códigos que compraram eram admissíveis e que tudo não passara de uma partida da OA para com os estagiários na véspera de um exame (o desagrado estendeu-se igualmente aos estagiários que realizaram o último exame escrito de agregação e que, esses sim, não puderam utilizar o referido livro).


Elabore uma sucinta exposição sobre os princípios comuns aos Direitos

Quanto ao exame em si, houve de tudo.

Destaco, porém, a questão n.º 4 da parte teórica cujo enunciado rezava o seguinte:

"Elabore uma sucinta exposição sobre os princípios comuns aos Direitos
Fundamentais, referindo-se, designadamente ao significado de cada um e à distinção entre ambos. (2V)"

Nesta questão houve formadores que entendiam tratar-se de princípios comuns aos Direitos Fundamentais e ao Direito Processual Penal (não obstante a inexistência de qualquer indício nesse sentido), bem como formadores que entenderam que por "ambos" o enunciado se poderia referir a 3, 4 ou 5 princípios diferentes, e não somente a dois. Isto porque as palavras têm o significado que os formadores ou os critérios de correcção lhes quiserem dar, podendo a palavra "ambos" reportar-se, se necessário, a dezenas de princípios e não somente a dois.


Para além dos erros técnicos nos enunciados, das (des)propositadas(?) ambiguidades nos enunciados, das revistas a legislação sem a presença dos seus proprietários, do desconhecimento da língua portuguesa por parte de alguns formadores, das opiniões discrepantes acerca das respostas acertadas que os mesmos partilhavam com os estagiários e da indesculpável deslealdade que rodeou a realização de toda esta 1.ª fase de estágio e, em particular, dos vergonhosos exames de aferição, resta-nos esperar pelo coup de grâce que virá com os critérios de correcção e com a publicação das notas.

Antecipo, desde já, o discurso do Bastonário aquando da publicitação das taxas obscenas de chumbos, onde certamente constará a referência à fraquíssima preparação técnica dos novos licenciados, à prostituição das faculdades e ainda o seu discurso auto-laudatório onde constará a referência à sua tentativa de limitação do acesso ao estágio com vista a seleccionar os melhores e com a tirania do Tribunal Constitucional que, ao proibir esse exame de acesso fez com que estes "medíocres" perdessem 6 meses das suas vidas a tentar entrar numa Ordem que não os quer.

As massas aderirão, os estagiários protestarão mas ninguém os irá ouvir. Os advogados apoiarão o Marinho e os que não apoiam, salvo honrosas excepções, remeter-se-ão à conversa de corredor e ao confortável silêncio que afirmam ser imposto pela "dignidade da profissão" mas que na verdade apenas esconde o receio de ser o foco da fúria irracional daquele que Manuel António Pina qualificou como "um camião sem travões".

O silêncio daqueles que preferem refugiar-se numa pretensa superioridade académica da qual não dão provas e que olham no sentido oposto para não terem de encarar a opressão dos futuros colegas - para quem olham como mera concorrência - é a prova de que a advocacia já não é digna, é um burgo. É a prova de que a salvaguarda da quota própria de mercado ultrapassou o estandarte da defesa dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos a que os advogados estão vinculados e que proclamam servir. É a demonstração de que o Estatuto é um panfleto, os princípios são vento e o voto torna a lei facultativa para os eleitos.


Abraço,


L.O.