"A prestação do patrocínio forense não era a mesma coisa que o fabrico de bolas de Berlim ou a produção de alheiras"
António Marinho Pinto in "Um combate desigual", Verso de Kapa, 2010, p.46

sábado, 19 de março de 2011

Da exigência de Mestrado




Olá Marinho,

Tens vindo, com o passar do tempo, a tentar impor a obtenção do grau de mestre para o acesso ao estágio de advocacia.
Infelizmente era algo com que o candidato Fragoso Marques também concordava e que, sinceramente, não me parece fazer sentido.

Analisemos a tua argumentação:

Em primeiro lugar, dizes que os licenciados em Direito de Bolonha não têm qualidade. Pergunto-te, como é que sabes? Honestamente, que base tens tu para sustentar essa afirmação? Nunca te ouvi a fundamentar isso a não ser com o "não se pode aprender o mesmo que se aprendia em 5 anos com cursos de 4 ou 3". Então e os cursos de 4 anos pré-Bolonha? Também os havia, como sabes.
E já agora, quantidade de anos de estudo é sinónimo de qualidade? Nesse caso deves ter dos melhores cursos que para aí há. Especialmente quando tu próprio admites que faltavas às aulas e quase não estudavas.

Em segundo lugar, dizes que vais exigir o mestrado porque o CEJ também exige e não se deve exigir menos para um advogado do que para um juiz. Então pergunto:

a) Quando era exigido um período mínimo de 2 anos entre a conclusão da licenciatura e o ingresso no CEJ, também concordavas que se devia pedir o mesmo para a advocacia?

b) O CEJ exige o mestrado em qualquer área, não necessariamente em Direito. Mas tu queres exigir o mestrado em Direito. Então deve exigir-se mais aos advogados do que aos juízes?

c) Nunca te ocorreu que talvez esta exigência do CEJ tenha como fundamento, não uma especial necessidade de preparação, mas sim a vontade de ter magistrados mais velhos do que os que surgiriam com Bolonha e, consequentemente (embora não necessariamente), com mais maturidade?
A favor deste argumento temos:
c1) Não exigem mestrado em Direito, mas em qualquer área.
c2) Já antes se exigia um período de 2 anos antes de se entrar no CEJ (bem sei que estes dois são repetidos).
c3) Dir-me-ás: "Ah mas então porque é que o CEJ não exige mestrado para os licenciados anteriores a Bolonha?" Simples, meu amigo Bastonário, porque já não há licenciados anteriores a Bolonha há, pelo menos, dois anos.

Tu próprio disseste que os juízes não podem ser "miúdos de 26, 27 ou 28 anos". Mas nunca te ouvi (até á data, mas não me espantaria nada) dizer que os advogados também não podiam ser "miúdos" com essa idade.

Em terceiro lugar, ignoras que há tipos de mestrado diferentes.
Há faculdades que têm, por um lado mestrados científicos/académicos e, por outro, mestrados profissionalizantes, sendo que os primeiros demoram mais tempo a obter do que os segundos. Então pergunto:
a) É irrelevante qual dos mestrados se tira?
b) Sendo que há mestrados onde uma nota inferior a 14 valores na fase lectiva impede o acesso à tese. No caso de alguém não conseguir aceder à tese em virtude de ter tido, por hipótese, uma classificação de 13 valores na fase lectiva, dir-me-ás que essa pessoa não poderá vir a ingressar na O.A.?
c) Porque é que se deve exigir a conclusão de uma tese a um licenciado pós-Bolonha, quando não havia nenhuma exigência semelhante antes?

A única exigência que até admito que não extravase grosseiramente os limites da razoabilidade, embora não concorde com ela, é a exigência da conclusão da fase lectiva do mestrado, uma vez que essa fase tem a mesma duração em todos os mestrados que conheço - 1 ano.
Se queres um curso de 5 anos, então impõe essa exigência. Não faças é depender do acesso à O.A. a celeridade da leitura, agendamento e discussão da tese, especialmente no Mestrado Científico/Académico.

Senão, vejamos qual será o percurso de um licenciado até aceder à advocacia:
1 - 4 anos de licenciatura (não abordarei o curso de 3 anos porque, tanto quanto sei, só existe um em todo o país, embora tentes passar a mensagem de que são quase todos)
2 - 1 ano de fase lectiva do mestrado.
2.1 - 6 meses para a elaboração da tese no Mestrado Profissionalizante.
2.2 - 1 ano para a elaboração da tese no Mestrado Científico.
3 - Período entre 3 meses (sendo generoso) no Mestrado Profissionalizante e 1 ano no Científico, para leitura e discussão da tese.
4 - Período indeterminado a aguardar que abras o curso para a OA.
5 - 2 anos e meio de estágio na OA.
6 - Isto, presumindo que se passa à primeira e que marcas os exames na data certa, senão ascenderá a 3 anos.

Total:
Mestrado Profissionalizante: 8 anos e 3 meses entre o início do curso e o ingresso na advocacia.
Mestrado Científico: 9 anos e meio.

Não será muita gente capaz de estar tanto tempo a estudar e, na maior parte das vezes, sem ganhar, mas o que é que se há-de fazer?

E é por isto tudo que te quero congratular pelo teu discurso na Sessão de Abertura do Ano Judicial.
Não podia concordar mais contigo quando dizes:

“Hoje interrogo-me o que posso dizer aos meus filhos. O que é que a minha geração lhes deu? Desemprego, pobreza e dívidas, muitas dívidas e por isso concluo: as nossas elites falharam”.

Abraço,

L.O.

5 comentários:

  1. Não sei qual o vosso problema de tirar um mestrado,se em alguns cursos já é obrigatório, como no caso de engenharia, que ainda por cima é bem mais dificil por possuir uma grande complexidade matemática.

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  2. Para ser jurista ou advogado é apenas necessário ser culto, e não inteligente.
    Existem cursos em que é necessario as duas vertentes, é obvio que não vou aqui evidenciar quais são esses cursos, basta ver as noticias, os jornais e o principal tema da actualidade.
    Só de pensar na fusão de grandes teorias com calculo matemático, diz tudo e causa arrepios a muitos que não têm coragem de seguir essas profissoes e por isso seguem direito.

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  3. Caro Anónimo (22h19),

    Antes de mais, nesses cursos que apelida como sendo de grande complexidade, não se tem de fazer um estágio de 3 anos após a conclusão do Mestrado, o que lhe permite falar nesses termos.
    De resto, remeto para o que disse no post porque estou cansado de dizer o mesmo. A menos que nos cursos de extrema complexidade matemática não tenham paciência para ler mais de duas letras seguidas sem um sinal matemático no meio.

    Para o comentário das 22h35:
    Engana-se quanto a parte da primeira frase. o que para aí não falta são advogados incultos.São, aliás, esses que agora vêm exigir mestrados. E, de facto, inteligência não é um requisito ou um resultado de uma licenciatura em Direito (ou de qualquer outra, contrariamente ao que refere).
    Aliás, se compara inteligência a capacidade de cálculo, por favor compre uma calculadora e apresente um recurso de uniformização de jurisprudência.
    Ademais, a capacidade de cálculo pode ser encontrada em alguns indivíduos autistas que não conseguem atar os próprios atacadores. Enfim, a sobrevalorização de certas capacidade intelectuais sobre outras é um bocado idiota.
    Podia vir aqui um pintor dizer que os matemáticos são uns parvos porque não sabem pintar um vaso de fruta e certamente que essa incapacidade não obstaria ao reconhecimento de inteligência destes últimos (os matemáticos, não os otários).

    Quanto aos cursos a que se refere, gostava de saber quais são. Porque não evidenciá-los, especialmente se escreve como Anónimo?

    Em suma, a questão é que o Direito, à semelhança da matemática, é tão difícil quanto o grau que estivermos dispostos a avançar nele. Qualquer um faz uma peça processual, tal como qualquer um faz uma conta. Depende tudo da complexidade do problema. E essa tanto existe em Direito como na matemática.

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