Não te escrevo há tanto tempo que nem sei por onde começar. Tenho a entrevista no programa da Júlia Pinheiro, a "abada jurídica" da Provedoria de Justiça, a "pega" com o Desembargador Rui Rangel, as críticas à Ministra, as tuas crónicas, a nova sujeição do Regulamento Nacional de Estágio ao Tribunal Constitucional, a demora na publicação nas notas, a destituição do Presidente do CDHOA em virtude de ter apresentado uma lista autónoma, etc.
Bem, vou começar por responder à tua crónica no Jornal de Notícias chamada Estágio de Advocacia.
Nela somos brindados com mais umas daquelas interessantes manipulações de factos a que já nos habituaste.
Começas tu por dizer o seguinte: "Agora, o provedor insurgiu-se contra os artigos 24.º, 36.º e 42.º do RNE (já em vigor aquando do primeiro pedido de inconstitucionalidade) que impedem os candidatos de se inscreverem indefinidamente em cursos de estágio, mesmo depois de fazerem dois estágios e de reprovarem quatro vezes no mesmo exame. Com efeito, o que aqueles artigos determinam é que os candidatos que reprovarem num exame poderão repetir esse exame e se voltarem a reprovar terão de frequentar outro curso de estágio. Mas, se no fim deste novo estágio voltarem a reprovar mais duas vezes, então só poderão inscrever-se em novo estágio após um período de três anos."
Ora bem, isto induz claramente em erro o leitor menos informado.
Permite-me, então, explicar-te como as coisas se passaram, caso ainda não o saibas:
De facto foram feitas várias queixas ao Provedor de Justiça, com o intuito de submeter à apreciação do Tribunal Constitucional a eventual (in)constitucionalidade das normas constantes dos arts. 24.º, n.º 4, 36.º, n.º 2, 2.ª parte, e 42.º, n.º 5, 2.ª parte do Regulamento Nacional de Estágio, nas quais, em síntese, se diz que "o advogado estagiário que não passe à fase complementar, na sequência da repetição da fase de formação inicial, ficará impedido de se reinscrever em novo curso de estágio pelo período de três anos."
Contudo, esqueceste-te de dizer que, nas queixas apresentadas, se contestava também a inexistência de um exame de recurso para quem reprovasse numa das provas que compõem o exame de aferição (para isto basta veres a resposta da Provedoria de Justiça enviada aos reclamantes e que se encontra aqui).
Ou seja, as queixas apresentadas ao Provedor de Justiça incidiam sobre as seguintes três questões:
a) Obrigatoriedade da repetição da totalidade dos três testes escritos que formam a prova de aferição, em caso de reprovação apenas num deles ou em dois;
b) Fixação das taxas de €700 e €650, nos termos da Deliberação 855/2011, de 30 de Março, em substituição das quantias unitárias de €50, nos termos indicados nos n.ºs 2.1.2 e 2.1.3 da Tabela, e, em particular, a sua aplicação ao I Curso de Estágio de 2011, que se terá iniciado em 15 de Março p.p.;
c) Impossibilidade de reinscrição em estágio, pelo prazo de três anos, por parte do candidato que não tenha obtido sucesso, posto que reiterado, em diversos momentos estabelecidos no Regulamento.
Sucede que apenas a última das questões foi submetida pelo Provedor de Justiça ao Tribunal Constitucional. (Os motivos para a não sujeição das outras duas questões foram, quanto à primeira, a inexistência de inconstitucionalidade e, quanto à segunda, a situação de pendência de um processo urgente sobre essa mesma matéria.)
Portanto, nós começámos por contestar a situação do Advogado-Estagiário que reprova num dos três exames e é obrigado a repetir a primeira fase - uma vez que, à data, e da leitura da lei, decorria que não existiria época de recurso e só posteriormente, sim, contestámos a impossibilidade de reingresso no estágio após reprovação em duas primeiras fases.
No entanto, com os dados disponíveis à data, a reprovação em duas primeiras fases consistiria na mera reprovação num exame em cada curso, uma vez que, da leitura da lei, decorria que não existiria exame de recurso.
Resumindo e por tópicos para perceberes:
1 - Nós queixámo-nos, antes de mais, por não haver exame de recurso - isto é, por ser suficiente a reprovação (por uma só vez) num dos 3 exames para se ter de repetir a primeira fase.
2 - Posteriormente, no dia 1 de Julho de 2011, a CNA emitiu um comunicado (cfr. ponto 11 do comunicado - o qual, curiosamente, desapareceu da página da OA) a esclarecer a deficiente elaboração do Regulamento, assim permitindo a existência de um exame de recurso.
3 - Simultaneamente, contestámos a constitucionalidade das normas que determinam a proibição de reingresso no estágio por um período de 3 anos após a reprovação em dois cursos de estágio.
4 - Só este último pedido teve procedência.
5 - Mas à data da apresentação da queixa, bastava a reprovação num exame para a repetição da primeira fase, juntamente com a reprovação num outro exame no curso de estágio subsequente para ficar vedado o reingresso na OA por um período de 3 anos.
6 - Portanto, à data, a queixa foi apresentada, tendo como base o facto de a reprovação em dois exames (e não em quatro) ser suficiente para vedar o acesso à OA por um período de 3 anos.
7 - Em todo o caso, e mesmo que o candidato a estagiário tivesse chumbado 20 vezes, não caberia à OA limitar o seu reingresso na profissão, mas antes à ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA (neste ponto remeto para a leitura do acórdão do TC que declarou a inconstitucionalidade do exame de acesso).
Segundo ponto:
Prosseguindo na tua crítica ao Provedor de Justiça, dizes na mesma crónica o seguinte: "Isso apesar de se manter mudo e quedo em relação ao facto de o Estado não permitir que os licenciados em direito acedam à magistratura, justamente por reconhecer que as actuais licenciaturas não possuem a qualidade suficiente para possibilitar a formação de magistrados com qualidade"
Como já tive ocasião de referir, isto não faz sentido e é uma manifesta "treta".
Em primeiro lugar porque, se esta lógica procedesse, então faria sentido que fosse exigido o Mestrado em Direito para o ingresso no Centro de Estudos Judiciários, o que, efectivamente, não acontece [cfr. art. 5.º, al. b) da Lei n.º 2/2008]. ´
Veja-se, a este título, o que consta da secção de FAQs do CEJ:
"2 – Além desses requisitos, que outros tem de possuir quem pretende candidatar-se pela «via da habilitação académica»?
R: Quem puder candidatar-se apenas pela «via da habilitação académica» ou optar pela candidatura por esta via, tem ainda de possuir o grau de mestre ou doutor ou equivalente legal, salvo se for licenciado(a) em Direito ao abrigo de organização de estudos anterior ao estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, ou equivalente legal, ou seja, se for licenciado em Direito «antes de Bolonha» (cf. nº 1 do art. 111º).
Os graus de mestre ou doutor dizem respeito a qualquer área científica, não exclusivamente a Direito. E também é indiferente, do ponto de vista da avaliação do preenchimento deste requisito, que esses graus tenham sido obtidos «antes» ou «depois de Bolonha».
R: Quem puder candidatar-se apenas pela «via da habilitação académica» ou optar pela candidatura por esta via, tem ainda de possuir o grau de mestre ou doutor ou equivalente legal, salvo se for licenciado(a) em Direito ao abrigo de organização de estudos anterior ao estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, ou equivalente legal, ou seja, se for licenciado em Direito «antes de Bolonha» (cf. nº 1 do art. 111º).
Os graus de mestre ou doutor dizem respeito a qualquer área científica, não exclusivamente a Direito. E também é indiferente, do ponto de vista da avaliação do preenchimento deste requisito, que esses graus tenham sido obtidos «antes» ou «depois de Bolonha».
Se o Estado estivesse a questionar a qualidade das licenciaturas (como queres vender), então faria sentido que exigisse o Mestrado em Direito. Contudo, não o exige.
Basta uma licenciatura em Direito e um Mestrado, por hipótese, em Estudos Africanos para ingressar no CEJ, sendo, por isso, suficiente a formação jurídica da licenciatura.
Eis a interpretação que faço deste normativo. Novamente por tópicos porque parece que se for um texto comprido não lês e eu estou farto de escrever sempre o mesmo:
1 - Antigamente o CEJ exigia um período mínimo de 2 anos entre a conclusão da licenciatura e o ingresso na formação como magistrado.
2 - O que significava que, nesse período, alguns dos melhores licenciados concluíam o estágio de advocacia e ficavam nessa profissão.
3 - O CEJ perdia bons profissionais.
4 - No entanto, tratava-se de um requisito que se prendia com a exigência de uma certa maturidade para o ingresso na magistratura e que, geralmente, está associada à idade.
5 - Presumia-se que, quem acabasse a licenciatura com 23 anos, deveria esperar 2 anos antes de ingressar no CEJ. Quiçá para adquirir alguma experiência prática jurídica e de vida.
6 - Chegou Bolonha e com ela os licenciados de 22 anos.
7 - Chegou a hora de reformar o ingresso no CEJ.
8 - Mas também a hora de corrigir o erro do passado e de não deixar fugir os melhores.
9 - Exige-se o Mestrado.
10 - Assim mantém-se a exigência de um período de dois anos entre a conclusão da licenciatura e o ingresso no CEJ.
11 - Simultaneamente, permite-se que os licenciados vejam o mestrado como uma extensão da licenciatura e optem por não entrar logo no mercado de trabalho ou, caso o façam, por ingressarem a meio tempo, juntamente com os estudos.
12 - Isto permite que os alunos concluam a licenciatura, ingressem no Mestrado, passem lá dois anos e, posteriormente, entrem no CEJ sem se "perderem" por outras vias.
Reconheço que é um bocado puxado, mas parece-me fazer mais sentido do que a tua teoria.
Abraço e beijinhos lá em casa
L.O.
P.S. - Já que não cumpres a Lei da Assembleia da República (quanto à abertura de cursos de estágio), podias ao menos cumprir os Regulamentos que aprovas, como seja o Regulamento da Comissão Nacional de Avaliação, designadamente:
(Prazo de correcção)
1 — A correcção, classificação e publicação das notas das provas escritas nacionais terão de estar concluídas no prazo de trinta dias, após a realização do último dos testes, devendo as classificações ser objecto de prévia aferição pela CNA antes da sua divulgação.
2 — O prazo previsto no número anterior poderá ser prorrogado por deliberação do Conselho Geral.
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